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Gicelli Paixão

Como a mudança na regulação do acidente de trabalho pode afetar a sua empresa?


O acidente de percurso ocorrido entre a residência do empregado para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado, deixou de ser considerado como acidente de trabalho com a edição da Medida Provisória nº. 905 de 2019.


No entanto, a respectiva Medida Provisória foi revogada pela Medida Provisória nº. 955 de 2020, o que pode trazer à tona a imposição do reconhecimento do acidente de trajeto como acidente de trabalho.


Dada peculiaridade da mudança e seus efeitos, impinge traçar algumas considerações:


Acidente de trabalho aspectos legais


A legislação previdenciária cuidou de estabelecer o conceito de acidente de trabalho, assim disciplinado no art. 19 da Lei nº 8.213/91:


"acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho".


Nesse contexto se insere o que é chamado de acidente de trabalho típico.


Mas há situações que não se mostram imediatamente, mas se revelam por meio de moléstias ou doenças. Por esse motivo, houve a disciplina sobre a doença profissional, como aquela entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; e a doença do trabalho, como aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I, do Art. 20 da Lei n. 8.213/91.


Considerando que não seria admissível ter um rol taxativo de situações que podem configurar acidente de trabalho por equiparação, o § 2º do mencionado artigo da Lei nº 8.213/91 estabelece que, "em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho".


Com efeito, salutar reproduzir o que dispõe o art. 21 da Lei nº 8.213/91:


I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:

ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

ato de pessoa privada do uso da razão;

desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.


Diante essa gama de hipóteses trazidas com a norma previdenciária, impinge tratarmos daquela que foi objeto de revogação expressa pela Medida Provisória nº. 905 de 2020, qual seja, “o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.


Para a caracterização do acidente in itinere o infortúnio deve ter ocorrido no deslocamento do empregado entre sua residência e local de trabalho, e vice-versa, nesse sentido:


"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACIDENTE IN ITINERE. CARACTERIZAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. 1. Nos termos do artigo 21, IV, "d", da Lei nº 8.213/1991 , equipara-se ao acidente de trabalho o acidente sofrido, ainda que fora do local e horário de trabalho, no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. 2. Da interpretação do mencionado dispositivo legal, verifica-se que é pressuposto para a caracterização do acidente in itinere que o infortúnio tenha ocorrido no deslocamento do empregado entre sua residência e local de trabalho, e vice-versa. 3. Nesse contexto, a jurisprudência firmou-se no sentido de que pequenas variações no trajeto habitual não descaracterizam o acidente, desde que se tenha como destino final e imediato a residência do trabalhador ou o local da prestação de serviço (precedentes). 4. Ocorre que, na hipótese dos autos, o Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto probatório, consignou que, diante da alteração do itinerário, não ficou demonstrado que, no momento do acidente, a reclamante tinha como destino a sua residência. 5. Desse modo, qualquer consideração acerca do trajeto percorrido pela reclamante de forma a caracterizar o acidente de percurso somente poderia ser feita mediante o reexame fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta fase recursal, nos termos da Súmula n.º 126 desta Corte. Trata-se, portanto, de matéria fática em que cabia à reclamante a comprovação de que o acidente ocorreu no percurso do trabalho para casa ou vice-versa. Pelo exposto, não se divisa violação ao artigo 21, IV, "d", da Lei 8213/1991, tampouco divergência jurisprudencial. Agravo de instrumento não provido" (AIRR-1002166-12.2015.5.02.0315, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 13/12/2019).


Competindo a empresa a emissão de comunicado de acidente de trabalho (CAT) e a tomada de todas as providencias necessárias para o amparo do empregado e resguardo da organização.


Esse era o cenário até a Medida Provisória nº. 905 de 2019.


A grande questão é que, tal situação revelava-se injusta ao passo que o empregador não tem condições de garantir a segurança dos seus empregados no trajeto de ida e volta ao trabalho.


Deveras, o fato é que impingir a responsabilização ao empregador por atos ocorridos fora do local de trabalho e da supervisão do empregador, cujo evento não concorreu, não é suficiente para concluir o que o empregador falhou no seu dever, sob pena de atribuir uma obrigação de garantir a incolumidade como resultado final e não como o parâmetro orientador de sua conduta.


E por esse motivo, presenciamos mudanças nas repercussões jurídicas do trajeto (ida e volta – trabalho e casa), que começou desde a alteração a alteração do § 2º do art. 58 da CLT, que eliminou o direito às horas in itinere.


E então houve a revogação expressa da alínea “d”, inciso IV, do artigo 21 da Lei nº 8.213 de 1991, reforçando a tese de não configuração de acidente de trabalho, o acidente de percurso.


Dispôs o Art. Art. 51, da Medida Provisória nº. 905:


XIX - os seguintes dispositivos da Lei nº 8.213, de 1991:

(...)

b) a alínea “d” do inciso IV do caput do art. 21; e


Após a edição da respectiva Medida Provisória passou-se a não mais existir disposição legal que obrigue a emissão da Comunicação de Acidente de Trajeto (CAT) para os acidentes que tenham ocorridos entre a residência do empregado e o seu trabalho e vice-versa.


Nesse mesmo compasso foi expedido Ofício-Circular nº 1649/2019/ME, com a seguinte recomendação: “O acidente de trajeto ocorrido a partir de 11 de novembro de 2019, não deve ser enquadrado como Acidente de Trabalho”.


Como se vê desde 11 de novembro de 2019, não há enquadramento de acidente de trabalho, os acidentes de percurso.


Contudo, a Medida Provisória nº. 905 foi revogada, o que gerou no ordenamento jurídico certa insegurança, já que a referida norma trouxe a baila uma série de alterações legislativas e muitas revogações.


Sendo assim, há quem entenda que o acidente de percurso voltou a ser considerado acidente de trabalho. Por esse motivo, importante buscar entender os efeitos da revogação dessa Medida Provisória.


Mas antemão, forçoso salientar que a jurisprudência trabalhista entende que há interdependência da responsabilização preconizada no bojo da legislação previdenciária, daquela estabelecida no âmbito laboral proveniente da responsabilidade civil. Portanto, havendo ou não a revogação do acidente de trajeto para fins de equiparação de acidente de trabalho, o que definirá a responsabilidade de empregador será analise de cada caso.


Revogação da Medida Provisória nº. 905


A Medida Provisória nº. 955 estabeleceu que: “Art. 1º Fica revogada a Medida Provisória nº 905, de 11 de novembro de 2019”.


Com isso, temos a ab-rogação da Medida Provisória nº. 905 de 2020, que toruxe no seu bojo a revogação da alínea “d” do inciso IV do caput do art. 21, da Lei n. 8.213/91.


Sabemos que nosso sistema veda a repristinação tácita, como entabula o Art. 1º, § 3o da LINDB: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.


Logo, de acordo com a leitura do enunciado acima, não há que se falar em restauração dos dispositivos revogados, dentre eles o acidente de trajeto como acidente de trabalho.


Nada obstante, salutar destacar que não falamos de lei, mas sim de medida provisória, que tem força de lei, mas não é lei.


Acontece que no mundo jurídico a Medida Provisória nº. 905 teve a sua eficácia suspensa. Essa suspensão perdurará até a apreciação da Medida Provisória nº. 955 de 2020 que a revogou.


E nessas condições podem ocorrer 02 cenários possíveis: a revogação definitiva ou a restauração de sua eficácia pelo tempo que lhe restava a vigorar:

  1. Se a Medida Provisória nº. 955 for convertida em lei, opera-se a revogação definitiva da Medida Provisória nº. 905.

  2. Se a Medida Provisória nº. 955 for rejeitada ou caducar, restaura-se a eficácia da Medida Provisória nº. 905, pelo prazo que lhe restava para vigorar (01 dia).

Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:


Já se firmou a jurisprudência desta Corte (assim, nas ADI 1.204 MC, 1.370 MC e 1.636 MC) no sentido de que, quando medida provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional é revogada por outra, fica suspensa a eficácia da que foi objeto de revogação até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a medida provisória revogadora, a qual, se convertida em lei, tornará definitiva a revogação; se não o for, retomará os seus efeitos a medida provisória revogada pelo período que ainda lhe restava para vigorar. [ADI 1.665 MC, rel. min. Moreira Alves, j. 27-11-1997, P, DJ de 8-5-1998.]


Logo, considerando a precariedade da Medida Provisória, a lei ordinária em vigor tem sua eficácia suspensa enquanto aguarda a apreciação junto ao Congresso Nacional.


Portanto, tem-se que a questão acerca da revogação da alínea “d” do inciso IV do caput do art. 21, da Lei n. 8.213/91 somente restará sacramentada com o desfecho da Medida Provisória nº. 955 de 2020.


Repercussões do acidente de trabalho por equiparação


Independentemente da revogação definitiva ou não do enquadramento do acidente de trajeto como acidente de trabalho, necessário tratar as suas possíveis repercussões.


Um dos primeiros reflexos se relaciona ao afastamento do empregado de suas atividades, cujo pagamento deve ser custeado pela empresa se o afastamento for inferior a quinze dias.


Além disso, o acidente repercutirá ao empregador também no cálculo do Fator Acidentário de Prevenção - FAP da empresa, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.666/2003.


Oportuno salientar que o FAP é o mecanismo que permite à Receita Federal do Brasil (RFB), aumentar ou diminuir a alíquota de 1% (risco leve), 2% (risco médio) ou 3% (risco grave), que cada empresa recolhe para o financiamento dos benefícios por incapacidade (grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais). Essas alíquotas poderão ser reduzidas em até 50% ou aumentadas em até 100%, conforme a quantidade, a gravidade e o custo das ocorrências acidentárias em cada empresa em relação ao seu segmento econômico.


Tendo havido um acidente de trabalho típico ou por equiparação, notadamente, haverá a majoração da alíquota imposta a empresa, aumentando a sua carga tributária.


Além disso, há repercussões para o Estado na medida em que compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) administrar a prestação de benefícios que podem ser devidos ante a ocorrência de acidente de trabalho, tais como auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, habilitação e reabilitação profissional e pessoal, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.


Isso sem contar que, os custos desses benefícios previdenciários poderão ser cobrados em ação de regresso em desfavor da empresa.


A empresa ainda deverá manter o recolhimento dos depósitos fundiários e o empregado acidentado goza de estabilidade provisória de emprego de um ano, nos moldes da Súmula nº 378 do TST:


“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 - inserida em 01.10.1997)II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) III – III - O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº 8.213/91.


E ainda, poderá ser condenada ao pagamento de indenização a titulo de danos morais e materiais, estes últimos vitalícios e vinculados a perda da capacidade laborativa do empregado.


Conclusão


O fato de haver uma disposição regulada por medida provisória, norma de caráter precário ou mesmo lei ordinária, não retira a cautela que o empregador deve ter quando se fala de acidente de trabalho.


Notadamente quando tratamos de acidente de percurso, salutar enfatizar que a responsabilidade do empregador está ligada a garantia da saúde e segurança do empregado, mas não é razoável impingir a responsabilização ao empregador por atos ocorridos fora do local de trabalho e da supervisão do empregador, cujo evento não concorreu, já que ausente elementos que demonstrem falta no seu dever.



Referências:

PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. Ver. São Paulo: Saraiva, 2013.


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